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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Delos
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

DELOS-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

A CIDADE APOLÍNEA
Delos, 27 de setembro de 2003

Súmula

 

A concepção de vida mental, de cidade superior, celestial ou da luz, dominadora da vida corporal e cidade terrena, tem as suas fundamentações mitológicas em divindades relacionadas com a lua, por ser este o astro que ilumina a terra durante a noite. A lua, porém, também na mitologia, é estreitamente unida ao sol, o astro irmão que ilumina o dia. Na mitologia grega tratava-se de Artemis (Diana) e Apolo.
A cidade por excelência de Apolo e Artemis é Delos, na ilha de mesmo nome. Ali é que Leto os gerou, segundo o hino a Apolo de Homero. Segundo a lenda, essa ilha fora vagante nos mares. Foi graças a Apolo que ela passou a ser fixa. As ruínas, em grande parte de construções dos séculos I e II, impressionam sobretudo pelo teatro com o seu bairro adjacente, prova manifesta da importância da música, da fruição artística e da representação dos deuses na vida dessa cidade dominada pelo santuário da luz.

Vida mental e Logos estavam intimamente relacionados no antigo Gnosticismo A importância da Luz, que Apolo representava segundo essas tradições de pensamento, manifesta-se no princípio racional da ordenação da cidade. A malha viária revela ainda, é fato, a permanência de antigas tradições urbanas dos períodos minóicos e cicládicos. As ruas, orientadas paralelamente ao declive, dividem os quarteirões em ilhas irregulares. As casas situadas nos centros dos quarteirões eram alcançadas através de becos. As casas de famílias de maiores posses apresentavam quartos dispostos ao redor de pátios.

Percebe-se, assim, que a organização urbana segundo princípios racionais ainda não superara totalmente formas mais antigas de urbanização do mundo mediterrâneo. Os dois princípios surgem hoje, nas ruínas, sobrepostos ou adaptados entre si. Esse tipo de combinação, sobretudo devido às construções da época helenística, oferecem surprêsas e efeitos inusitados na percepção dos espaços. Um exemplo é o da Casa de Hermes, situada na colina acima do teatro. Com o seu volume de vários andares, apresenta-se com uma fachada sem janelas, organizando-se interiormente ao redor de um pátio central.

Partindo-se da concepção da natureza dupla das cidades, poder-se-ia ver nessa incongruência ou superposição de dois tipos de ordenação espacial a vigência de duas concepções urbanas, a da cidade terrena e a da cidade da luz, esta regendo a outra. A superposição de dois princípios teria, assim, um sentido mais profundo. Tratar-se-ia de uma cidade apolinea, racional, dominando e transformando a cidade terrena. Esta, por sua vez, transfigurava-se e espiritualizava-se.

Para os gregos, Apolo teria sido o autor e o descobridor das artes medicinais. Seu filho, Esculápio, a teria desenvolvido de forma extraordinária (Isidoro, Etymologiarum IV, 3). Depois da morte de Esculápio, fulminado por um raio de Zeus, dizia-se que a prática medicinal tinha sido proibida, assim permanecendo "soterrada" por quase 500 anos. Hipocrates nascera já na época de Ataxerxes, rei dos persas. Assim, Apolo teria sido o inventor, Esculápio o divulgador e Hipocrates o aperfeiçoador da medicina.

Os três nomes relacionados com a história antiga da medicina - Apolo, Esculápio e Hipócrates - simbolizavam três escolas médicas, definidas segundo o método que aplicavam. A primeira, cuja idealização era atribuída a Apolo, era a da escola metódica, a segunda, atribuída a Esculápio, era a da empírica, e a terceira, atribuída a Hipocrates, era a da lógica. O método empírico ou experimental seria assim uma evolução do procedimento metódico, e o método lógico um aperfeiçoamento do procedimento experimental ou empírico.

O procedimento metódico de cura, atribuído a Apolo, consistia no uso de medicamentos e de "carmina", ou seja, no emprêgo de palavras entoadas ou cantos. O uso de música e de remédios remonta assim aos primórdios da arte médica sistematizada.

O método experimental, empírico, atribuído a Esculápio, considerado como filho de Apolo, representava um desenvolvimento desse procedimento metódico baseado em regulamentos de cunho divino. O médico passara a se orientar não mais segundo indícios, senão unicamente segundo a experiência. A medicina na concepção esculapiana já não era uma medicina simplesmente de indícios ou de sinais. O estágio mais aperfeiçoado da metodologia médica da Antigüidade, atribuído a Hipocrates, era aquele caracterizado pela racionalização dos conhecimentos. O médico, aqui, depois de fazer uma anamnese e tomar conhecimento das circunstâncias de idade do paciente, da zona, das enfermidades, procurava mediante o raciocínio saber qual seria a causa das enfermidades, buscando o remédio. A atenção era, assim, dirigida às causas que davam origem aos efeitos. Os empíricos, na tradição de Esculápio, seguiam apenas a experiência; na escola de Hipocrates, o raciocínio somava-se ao conhecimento empírico. Tratava-se de uma evolução com relação ao estágio primordial instituído divinalmente, uma vez que os "metódicos" não levavam em conta nem o exame dos sintomas, nem as circunstâncias temporais, nem a idade e nem as causas, porém simplesmente a existência mesmo das enfermidades (Etymologiarum IV, 4).

A cidade apolinea necessita também ser considera à luz dessas concepções. Seria uma cidade sã, sagrada, como Delos, onde não se permitia alguém nascer ou morrer, organizada "metódicamente", ou seja, segundo um sistema de preceitos e um conjunto de normas. Esse edifício conceitual baseava-se na interpretação de sinais na natureza e na vida dos homens. Assim, o mundo exterior surgia como um texto pleno de significados e possibilidades de interpretação.

Antonio Alexandre Bispo

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