São Paulo 450 Anos
Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência
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Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos
Interculturais (2004)
MILÃO- SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO
MUTAÇÕES E INTERCULTURALIDADE NAS CONDIÇÕES URBANAS ATUAIS
Milão, 11 a 13 de janeiro de 2003
Súmula
Ponto de partida para todas as reflexões relativas às mutações
nas condições urbanas atuais é o projeto internacional Mutations,
um vasto conjunto de considerações teóricas, críticas e documentais
de cunho intercultural e transcultural. Apresentado em Bordeaux
entre novembro de 2000 e março de 2001, teve alguns de seus resultados
publicados pelo centro de arquitetura "arc en rêve". Nele incluíram-se
contribuições de Rem Koolhaas e do seu grupo de pesquisa, The
Harvard Project on the City. Foram também publicadas contribuições
de Sanford Kwinter, de Stefano Boeri e de seu team Multiplicity;
de Nadia Tazi e muitos outros.
O projeto parte da constatação de que mais de 50% da população
mundial se concentra hoje em áreas urbanas. O consumo parece ser
a nova centralidade que transforma a geografia das cidades. A
concentração e o poder do comércio e da informação remodulam a
realidade urbana, conduzindo a um contínuo desterritorializado.
As redes de comunicações abrem o espaço a interconexões ilimitadas
e a globalização da economia supera as fronteiras.
Essas e outras mutações marcariam a emergência de uma nova civilizacão
urbana, produto imediato de uma sociedade que teria mudado radicalmente
as suas escalas e velocidades de existência. Os autores analisaram
sinais da transformação, tais como a explosão urbana das cidades
asiáticas, a energia das "counter-city" africanas, a indiferenciação
da cidade americana, a dinâmica de apropriação na cidade européia,
o novo espaço liberado pela Net e o som do rumor circulante. Nesses
fenômenos encontrar-se-iam chaves para a compreensão do presente,
da realidade móvel, transformadora, contraditória e apaixonada
das condições urbanas. Levariam a uma mudança na forma do entender
a cidade.
O projeto Rem Koolhaas - Harvard Project on the City- conhecido
antes como "The Project For What Used to be the City", termo que
denotava as dúvidas conceituais relativas à definição da cidade
de hoje, é uma pesquisa em andamento da Escola de Design de Harvard.
O seu objetivo é examinar a modernização da condição urbana. O
projeto dedica-se cada ano a uma nova região ou a uma condição
geral submetida a transformações violentas. Os colaboradores procuram
documentar e entender as mutações da cultura urbana na procura
de um vocabulário e de um novo programa conceitual para o tratamento
de questões que já não poderiam ser estudadas segundo modêlos
arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos habituais. O primeiro
projeto foi voltado ao estudo das formas novas e da velocidade
de urbanização do Vale do Rio das Pérolas, na China. O segundo
projeto dedicou-se a pesquisas relativas ao impacto do "shopping"
nas cidades. O terceiro tema foi o do exame analítico da situação
urbana de Lagos, capital da Nigéria. O quarto, de natureza mais
teórica, dedicou-se à "invenção" e à expansão da sistemática de
urbanização romana como precursora da modernização e prototipo
do processo de globalização.
As reflexões focalizaram o interesse do enfoque do Harvard Project
on the City para as discussões relativas a outras metrópoles do
mundo, em particular São Paulo, e, ao mesmo tempo, a relevância
que teria a consideração dos debates já em andamento a respeito
das ciências da cultura no concernente aos complexos urbanos do
próprio projeto. Várias das questões que estão sendo tratadas
foram anteriormente levantadas e analisadas sob outros pontos
de vista que pelo menos complementariam o projeto. Por exemplo,
no primeiro projeto, ou seja o estudo das transformações ocorrentes
da urbanizacão do Vale do Rio das Pérolas, na China, cumpre lembrar
dos trabalhos desenvolvidos em Macau e em Hong Kong nos anos de
1996 e 1997. A importância de estudos relativos ao "shopping"
na transformação do espaço urbano e na vida cultural de "cidades
intermediárias" ("Zwischenstädte") e periferias é evidente na
cidade de São Paulo e em inúmeras outras cidades próximas. Os
problemas de identificação cultural daí decorrentes, inclusive
no que diz respeito ao papel desempenhado pela música nesses centros
comerciais também foi tratado em estudos já desenvolvidos. Uma
análise comparativa dos estudos urbano-culturais paulistanos com
os resultados do projeto Harvard relativos a Lagos promete sem
dúvida benefícios para os dois lados. As similaridades são muitas,
o importante, porém, são as diferenças.
A parte mais decepcionante do projeto Harvard é aquela dirigida
à "invenção" e à sistemática da cidade romana como um protótipo
do processo autal de globalização. Demonstrou-se que a idéia desse
projeto não é absolutamente nova, foi discutida já sob diversos
aspectos e os resultados apresentados na publicação "Mutations"
não correspondem ao estado atual dos conhecimentos nem à profundidade
diferenciadora já alcançada nos debates. O sistema romano não
pode ser estudado sem a consideração de seus pressupostos culturais
e toda a análise mais cuidadosa leva a processos históricos anteriores.
A fundamentação dessa "sistemática" urbanizadora deve ser procurada
em complexos culturais muito mais antigos. Os seus autores desconhecem
o mecanismo de transformação anti-tipológica inerente ao sistema
antigo metamorfoseado culturalmente pelo Cristianismo. Além do
mais, cumpre que estudos históricos nessa área sejam precedidos
por reflexões metodológicas e conceituais a respeito do próprio
trabalho histórico, da reconstrução historiográfica e das relações
entre princípios sistemáticos e narrativos no proceder histórico.
As contribuições dos urbanólogos italianos são de maior significação
teórico.Nas suas "Notes for a research program, Stefano Boeri
elucida as principais idéias do seu projeto USE. Iniciado como
um apanhado de observações a respeito de locais e processos de
mutação em diversas cidades e regiões, levou a atenção ao problema
de um espaço europeu e de sua intensa, ilimitada atividade, de
suas transformações e inovações. O processo de unificação política
na Europa e o debate a respeito dos melhores meios de integração
exigiriam, hoje, uma discussão a respeito do que seria a Europa
sob o ponto de vista territorial. As reflexões de Boeri partem
de distinções entre espaço e contexto, tratam dos paradigmas institucionais
que vê na representação do espaço europeu, inclusive o da identidade
de um espaço, falam de regiões e cidades difusas e zonas caracterizadas
pela dissolução de seus elos internos. O difuso representaria
uma nova forma, visível e emergente de uma nova condição urbana
que transformaria a natureza e todo o conceito de cidade na Europa
da atualidade.
Nesse processo, o projeto USE procura distinguir regularidades, realizando estudos pontualizados nos quais determinados conceitos são refletidos a partir de diferentes situações: inundação em Belgrado, détournement em Paris, osmose em Mazzara/Tunis, intensificação na região de Benelux, expansão nas auto-vias da Alemanha, transplante em Pristina, inércia na região do Tyneside, pulsação no caso de San Marino etc.
Antonio Alexandre Bispo