Sao Paulo 450 anos São Paulo 450 Anos Lira Teatro Municipal
Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência
Akademie Brasil-Europa für Kultur- und Wissenschaftswissenschaft
© 2004 » A.A.Bispo. Todos os direitos reservados.
» Reflexões em diversos contextos- » Projeto: Urbanologia e Análise da Arquitetura -» Colóquio 2004- » Academia Brasil-Europa

Valencia
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

VALÊNCIA-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

A CIDADE COMO CAIXA DE RESSONÂNCIA E GRAUS DE URBANIDADE
Valência, 6 a 9 de fevereiro de 2004

Súmula

 

Um dos projetos mais extraordinários da arquitetura e do urbanismo contemporâneos, que engloba ciências, cultura e artes, é a Cidade das Ciências e das Artes, um projeto do arquiteto valenciano Santiago Calatrava (*1951). Tendo estudado Arquitetura e Artes na sua própria cidade natal, Santiago Calatrava especializou-se posteriormente em Tecnologia em Zurique, onde posteriormente abriu um escritório de engenharia civil e arquitetura. Foi o autor do projeto da Ponte de Roda em Barcelona, de 1987, da Ponte Alamillo e do Pavilhão do Kuwait na Exposição de 1992 de Sevilha, da torre de emissão de Barcelona, construída no mesmo ano, da estação ferroviária no aeroporto Lyon-Satolas, inaugurada em 1994, e da estação Stadelhof em Zurique, de 1990.

A importância da obra desse engenheiro, arquiteto e urbanista no âmbito do programa "Poética da Urbanidade" reside nas referências musicais de seus projetos, sobretudo naqueles de pontes. A ponte Alamillo em Sevilha, ele próprio a comparou com uma obra sinfônica de Mozart. Essa ponte sugere uma sinfonia concertante, na qual o instrumento solista surge inesperadamente do nada. Na realidade, a obra assemelha-se a uma harpa ou a uma lira. A ponte surge, assim, como um instrumento musical. O arquiteto documenta, assim, que o instrumento musical pode também ser considerado como uma ponte, um meio de ligação entre duas margens ou duas esferas, uma concepção de clara fundamentação simbólica e passível de profundas interpretações filosóficas e religiosas.

Assim como nas suas estações de Lyon e de Zurique, as obras de Calatrava para a Cidade das Ciências e das Artes em Valencia apresentam claras similaridades com animais. Torna-se evidente que o arquiteto inspirou-se em fósseis ou em outras estruturas biológicas. Aspectos similares já são claramente identificáveis no seu projeto do Museum de Arte de Milwaukee, Wisonsin, construído entre 1994 e 2001. Localizado no eixo da avenida principal de Milwaukee, o pavilhão projetado por Calatrava cria uma encenação profundamente dramática. A estrutura sugere movimento, parece ser uma escultura cinética, fato criado pelas duas grandes asas que lembram um pássaro em movimento. Os críticos dizem que a sua obra é, de fato, mais obra de escultura do que de arquitetura, uma escultura baseada em sólida tradição de engenharia suíça. Salientam também os seus vínculos estéticos com a tradição do Gótico e do Art Nouveau. Esquecem, porém, muitas vezes, a função fundamental do simbolismo na cultura ibérica. Pelo que tudo indica, somente uma discussão mais ampla a respeito das implicações do conceitos relacionados com animais e com a animalidade na ordem simbólica transmitida pela tradição cultural do Mediterrâneo e da cultura ocidental poderá fornecer bases sólidas para julgamentos abalizados das correntes miméticas do presente. Neste caso, chegar-se-ia certamente a um ponto crucial na discussão urbanológica orientada segundo correntes científico-culturais.

A concepção secular da cidade dupla, ou seja, da cidade espiritual e terrena, fundamental na cultura de tradição cristã, implica em considerações a respeito da animalidade do homem. Essa diz respeito tanto à vida terrena quanto à vida mental, pois também a vida mental. no sistema de símbolos transmitidos pela tradição, passa a ser quase que uma entidade aquática ao submergir nas águas da temporalidade sob o predomínio da vida terrena. Esta, por seu lado, é relacionada com animais terrestres. Há, assim, uma diferença fundamental na simbologia de animais transmitida pela tradição entre seres das águas e da terra.

Essa distinção não pode ser deixada de lado na discussão atual do biomimetismo. Seres aquáticos, peixes, conchas, moluscos e outros dizem respeito à vida ou à cidade mental, no seu estágio inferior. Com eles estão relacionados os pássaros, que também vieram das águas segundo a tradição de fundamentação bíblica. A transformação de formas aquáticas em formas aéreas parece ser, assim, altamente sugestiva para projetos urbanísticos que se referem à cidade mental ou espiritual, necessariamente predominante no conjunto de concepções transmitido pela tradição ocidental. Ao contrário, animais terrestres, tais como tartarugas e tatús representam há séculos a vida terrena, cuja função será a de ser disciplinada e colocada à serviço da vida mental, tornando-se instrumento.

Esse simbolismo de cunho musical, presente nas imagens e nas concepções da lira, da guitarra, no violão, na viola e em outros instrumentos de corda surge na concepção de teatros e em outros edifícios que desempenham a função de caixas de ressonância. Se, porém, a cidade terrena também deve ser considerada como expressão da vida terrena, já não mais animal vivo, mas sim caixa de ressonância sob o predomínio da vida contemplativa, então a cidade, na sua materialidade e nas suas implicações com a vida de trabalho deve ser analisada relativamente às suas qualidades de ressonância. O uso de estruturas biomiméticas no urbanismo não poderá fugir de suas implicações simbólicas se não quiser cair em soluções mecanistas alienadas do conjunto de concepções culturais. As relações entre a música e a cidade seriam, sob este aspecto, passíveis de serem analisadas.

Se a urbanidade pode ser definida em função do grau de relacionamento entre as duas esferas de vida ou as duas cidades na ordem simbólica da cultura, então pode-se analisar o grau de urbanidade nas cidades levando-se em consideração as sugestões que oferecem relativamente à vida natural. Trata-se aqui sempre de uma consideração do dinamismo transformador na relação entre essas duas esferas.

Dois seriam os pontos de partida para essa análise. Em primeiro lugar, dever-se-ia considerar a idéia da morte da carne, uma espécie de tourada simbólica, ou de esvaziamento do interior de uma tartaruga para transformá-la em caixa de ressonância, uma imagem necessária para se examinar a questão quase que paleontológica da análise de estruturas similares a esqueletos animais e carapaças. Em segundo lugar, o dinamismo vertical sugerido pela metamorfose de estruturas de sugestão aquático-voláteis, indicativas do movimento de ascenção e descenção da vida mental. O íntimo relacionamento entre esses dois critérios nos diferentes espaços perceptíveis ofereceriam ao habitante inserido na ordem simbólica da cultura, subconscientemente, impulsos que teriam influência na sua apreciação das qualidades de urbanidade da cidade e também na sua própria forma de vivenciar e exprimir urbanidade.

Estas seriam reflexões preliminares que talvez pudessem contribuir para uma discussão mais profunda do relacionamento entre música e arquitetura e do problema de uma Poética da Urbanidade.

Antonio Alexandre Bispo

retorno