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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Ilhas Eolicas
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

ILHAS EÓLICAS NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

"CHARTE d'ATHÈNES" - REFLEXÕES URBANOLÓGICAS EM NAVE
Ilhas Eólicas ou Lipares, 18 de setembro de 2003

Súmula

 

Poucos escritos tiveram conseqüências tão profundas e duradouras no pensamento relativo à cidade e na realidade construída do passado recente do que a Carta de Atenas (Charte d’Athènes), editada em 1943 por Le Corbusier. O texto originou-se de constatações do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (4. Congrès International d’Architecture Moderne), realizado durante um cruzeiro entre Marselha e Atenas, em 1933. Esse evento foi decididamente influenciado pelo pensamento e pela personalidade de Le Corbusier. As teses do congresso foram reelaboradas por este arquiteto e, para a sua publicação, consideradas juntamente com o materiais de seus projetos apresentados na obra "La Ville Radieuse", de 1935. Com isso, a Carta de Atenas foi, em grande parte, produto das concepções e propostas de Le Corbusier.

Pelos 70 anos do IV. Congresso Internacional de Arquitetura Moderna e pelos 60 anos da publicação da Carta, pareceu ter sentido, não apenas simbólico, revivenciar as condições sob as quais o empreendimento de Le Corbusier se realizou.

A situação especial de uma viagem marítima, as condições especiais de tempo livre, as sugestões oferecidas pelo contacto com cidades e monumentos nas condições especiais da viagem deveriam, esperava-se, dar margens a reflexões capazes de oferecer novas perspectivas à leitura da Carta e à revisão crítica de suas visões, uma releitura que se faz cada vez mais necessária. Esse documento surpreende, de fato, como levantam os seus críticos, pelo seu tom quase que autoritário e dogmático, pela exigência dirigística que faz aos órgãos responsáveis pela política e administração urbana.

Um dos aspectos centrais das idéias de 1933 reside na diferenciação de funções na cidade. O intuito aqui era o da separação de funções como pressuposto de uma ordenação racional dos complexos urbanos. Na verdade, porém, a intenção maior era outra, ou seja, a de criação de uma obra urbana harmoniosa e duradoura. Para essa harmonia, a escolha e a distribuição dos vários elementos e a sua ordenação criteriosa pareciam ser essenciais. O pensamento de Le Corbusier revela ser aqui influenciado por conceitos da antiga filosofia (Politeia) e de analogias musicais.

A separação de funções, portanto, seria antes uma distinção de funções, para que as mesmas pudessem ser colocadas em relações, e essas relações deveriam revelar o senso das proporções, para o qual o arquiteto teria a chave nas mãos.

O pensamento aqui expresso lembra naturalmente muito conceitos da Harmonia Funcional, da análise de obras segundo critérios harmônico-funcionais de Hugo Riemann e seus seguidores, e o do seu emprêgo na composição. Naturalmente, composições criadas a partir do conhecimento da teoria e do método de análise harmônico-funcional eram, na época, ou reflexos de uma visão acadêmica ou inseriam-se no amplo complexo de tendências neoclassicistas. A exigência de Le Corbusier relativamente à importância das proporções e, sobretudo, o critério de durabilidade da obra, compreendido no sentido de obra de arte de valor estético duradouro, não efêmero, sugerem, de fato, concepções de tendência classicista e da nova objetividade. Tudo parece indicar, portanto, que considerações sobre o Clássico, sugerido claramente no próprio objetivo da viagem e no nome da Carta, tenham sido aqui focalizados consciente-ou inconscientemente sob a perspectiva da Harmonia Funcional.

Na realidade, porém, foi antes a experiência da vida no mar, da atmosfera criada pela clara distinção de funções e atividades no navio, a constatação da racionalidade inerente a uma construção baseada fundamentalmente em soluções técnicas, a pureza das formas, iluminadas pelo céu do mar Mediterrâneo, o que mais influenciou esse relacionamento entre conceitos harmonicais e ideais clássicos. No fundo, a oportunidade de um congresso nos mares possibilitava a distância com relação à arquitetura construída das cidades européias. Assim como na música o neoclassicismo não representou apenas um retorno à Mozart, mas sim também a Bach, ou seja, foi definido antes como um movimento de oposição ao passado vinculado ao romantismo do século XIX, sobretudo em repulsa à Wagner e ao patético, também o novo espírito na arquitetura foi caracterizado por esse impulso de superação da linguagem historicista das cidades de ante-Guerra.

Antonio Alexandre Bispo

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