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Poética da Urbanidade - Estudos interculturais
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Roma
Materiais para as discussões do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais (2004)

 

ROMA-SÃO PAULO NO PROGRAMA DE ESTUDOS INTERCULTURAIS "POÉTICA DA URBANIDADE" PELOS 450 ANOS DE SÃO PAULO

A METRÓPOLE PÓS-MODERNA: SUGESTÕES TEÓRICAS
Roma, 28 a 29 de novembro de 2003

Súmula

 

A atualidade do tema "A Metrópole Pós-moderna" manifesta-se na obra "La città postmoderna: Magie e paure della metropoli contemporanea", de Giandomenico Amendola, professor de Sociologia urbana da Facoltà di Architettura dell’Università di Firenze e Presidente da Associazione Italiana di Sociologia. Esse livro foi publicado em primeira edição em 1997 e, em nova edição, em outubro de 2003, na série Biblioteca di Cultura Moderna pelos editores Laterza.

A escolha dessa obra para a discussão do conceito de postmodernidade nos estudos culturais metropolitanos residiu no fato de ter sido a sua republicação o mais recente lançamento editorial na área. A justificativa para essa reedição é vista na nova situação das reflexões relativas ao Modernismo e ao Pós-Modernismo no novo milênio.

Até alguns anos atrás, considerar teoricamente a Pós-Modernidade em urbanismo surgia como empreendimento questionável, pois o termo associava-se, para muito, com a transformação da cidade moderno-industrial em "fantasy cities". Na atualidade, porém, em 2003, já sendo findo o século XX, muitos estudiosos já não se sentem obrigados a contínuas declarações de fidelidade ao Modernismo. Pode-se, segundo o autor, questionar muito mais livremente as características do mundo novo que já se estabeleceu em muitas partes do globo.

Para o autor, definir o que seja a cidade pós-moderna não representaria tarefa de fácil solução, pois ela se apresenta com diversificadas aparências nos vários países de todos os continentes. Onde a nova cidade ainda não existe, ela já estaria presente nos projetos. Apesar da diversidade das formas urbanísticas nos vários países e de suas bases econômicas, o autor parte da tese segundo a qual a relação do homem com a própria cidade e as novas exigências sociais tendem a uma homologia. Essas tendências diriam respeito à crescente convicção de que uma cidade deve ser bonita, digna de ser vivida, capaz de oferecer divertimentos, aprazível no quotidiano e, ao mesmo tempo, situada no centro do mundo.

Como exemplo, o autor cita Londres, em particular o Millenium Dome e o pós-moderno Canary Wharf, que contribuem para fazer da capital britânica uma nova cidade, "cintilante" e desejosa de prazer, diferente daquela cidade industrial dominada pela fábrica. Uma das principais questões seria a de saber o que é que mudaria mais rapidamente: a forma física da cidade ou o "coração das pessoas".

Hoje em dia, segundo o autor, a forma e o modo de funcionamento da cidade física, a cultura e a sensibilidade do homem parecem ter alcançado um certo equilíbrio. Inúmeras cidades procuram valorizar as suas próprias potencialidades estéticas e produtivas, recuperando zonas litorâneas, iluminando áreas abandonadas pela indústria e monumentos capazes de narrar estórias.

Amendola estuda imagens e metáforas da cidade, o fenômeno da fuga da metrópole e do renascimento urbano, o relacionamento entre a cidade e uma hiper-realidade e o "re-encantamento" do mundo. Trata da cidade-"bricolage", do novo-barroco da cidade pós-moderna, de uma cidade porosa e de luzes.

Importantes motivos do seu pensamento são expostos no capítulo dedicado aos princípios organizadores da cidade nova. Aqui ele trata do hedonismo da massa, do direito à beleza e do primado da razão estética. Em instigantes capítulos fala da cidade da simulação, da nova sociedade medial, do nascimento da "cidade sonho", da cidade como parque temático e cidade delírio, da cidade como museu vivo e do fenômeno do shopping. Ponto alto de suas reflexões dizem respeito à questão do multiculturalismo e do problema do Outro e da construção da imagem da cidade através do marketing urbano e da estrategia da aparência. Não esquece, porém, de tratar da situação daqueles excluídos do sonho, dos graffiti, da miséria, da estrategia defensiva e da cidade blindada.

Das numerosas sugestões de Amendola, instigantes e em muito questionáveis, aquelas que merecem uma particular atenção crítica são aquelas concernentes à música. No capítulo em que trata da nova sociedade de mídia e do princípio da realidade, o autor faz pormenorizada exposição de suas concepções a respeito do relacionamento entre a música e a narração da cidade. Em amplo panorama histórico procura demonstrar o vínculo entre a imagem da cidade e a literatura. Fala de Gilgamesh e da Ilíada, de Marco Polo e de Goethe, de Proust e de Thomas Mann. Lembra que vários urbanistas, entre eles Ricardo Bofill e Kevin Lynch, aceitam a idéia de que a representação que se faz de uma cidade precede a experiência da própria cidade.

Os argumentos de Amandola concernentes à relação entre a música e o contar da cidade são, infelizmente, altamente inconsistentes. Para ele, as diversas formas de narração da cidade, escritas, desenhadas ou cantadas, teriam sido sempre fiéis à cidade e ao seu espírito, uma afirmação impossível de ser feita sem uma necessária diferenciação. É verdade que salienta a mudança ocorrida com a aceleração urbana a partir do século XIX, durante a qual a narração teria perdido a capacidade de andar passo a passo com as modificações das cidades. Somente os músicos do século XIX teriam sido, para Amendola, absolutamente incapazes de contar a cidade do próprio século.

Haveria assim uma situação paradoxal. O século XIX, que seria o século da cidade e também o século da música, não apresentaria imagens da cidade narradas musicalmente. A cidade, até o século XVIII, teria sido cenário da música barroca. Para o século XIX, porém, não haveria traços conotativos ou descritivos e evocativos da experiência urbana na música do sinfonismo, da arte de câmara ou lírica. Uma possível explicação desse fato seria a contradição existente entre uma música fundamentalmente baseada na harmonia e a realidade urbana do século. A música teria encontrado dificuldades insolúveis para construir a narração sem possuir ainda os instrumentos técnicos necessários para descrever a dissonância de fundo. Somente a música do século XX esteve então em condições de corresponder ao movimento, à desordem, à imprevisibilidade, à cacofonia e à dissonância da cidade industrial. O cenário sonoro metropolitano geraria uma nova estética urbana, também sob o ponto de vista musical. A polifonia da cidade nova não seria apenas uma metáfora.

Coloca-se em dúvida a validade dessas concepções histórico-musicais, uma vez que há múltiplos exemplos de vínculos entre a música do século XIX e a realidade urbana. Os argumentos de Amendola se baseiam sobretudo numa perspectiva eurocêntrica da história da música e não levam em consideração processos urbanos e histórico-musicais em outros continentes, sobretudo na América. Tem-se, por exemplo, vários exemplos de composições musicais de São Paulo do século XIX que fazem referência explícita à cidade e às suas transformações.

Antonio Alexandre Bispo

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